Saúde mental é coisa séria – e conversar com as meninas é fundamental

Em abril, o suicídio de dois estudantes do colégio Bandeirantes, em São Paulo, deixou muitos pais preocupados. O assunto ainda é tabu na maioria dos lugares, assim como a discussão aprofundada sobre a saúde mental de crianças e adolescentes.

No entanto, conversar sobre o assunto de maneira informada e qualificada é necessário e pode salvar vidas.

Primeiramente, é preciso entender que os adolescentes, meninos e meninas, também são vítimas de distúrbios como ansiedade, depressão e transtorno bipolar, muitas vezes desencadeando em ideação suicida e no suicídio consumado.

O sofrimento nessa faixa etária não pode ser subestimado pela família ou escola. Pelo contrário, esses agentes têm papel fundamental no tratamento desses distúrbios e em sua prevenção. Até mesmo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Brasil traz indicações para trabalhar competências como autoconhecimento, cuidados da saúde física e emocional e o reconhecimento da diversidade humana.

E a atenção dedicada às nossas meninas e aos meninos não pode parar: o suicídio é tido como a segunda causa de morte de jovens no mundo e, no Brasil, as faixas etárias entre 10 e 19 anos são as que tem registrado maior crescimento.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, De 2000 a 2015, os atentados contra a própria vida aumentaram 65% entre jovens de 10 a 14 anos e 45% na faixa entre 15 e 19% anos. Em geral, as meninas têm mais tentativas, mas os meninos, por usarem métodos mais violentos, acabam sendo as principais vítimas. No entanto, os dados sobre o assunto são apenas uma estimativa, porque o tabu que cerca o assunto não permite que a real extensão do problema seja conhecida.

Para esclarecer melhor as dúvidas mais comuns em relação à saúde mental das meninas, os motivos que levam ao suicídio e o que fazer para apoiar um adolescente em sofrimento, o Força Meninas entrevistou a psicóloga Victoria Gomes Cirino. Confira:


Força Meninas: A taxa de suicídio entre jovens está crescendo. Por quê?

Victoria Gomes Cirino: Os dados sobre suicídio nem sempre são divulgados. Por motivos religiosos ou culturais, alguns casos não são reportados como suicídio e entram para as estatísticas de mortes acidentais ou de violência urbana. Apesar de toda a dificuldade de acesso a essas informações, inúmeras pesquisas mostram que o suicídio é um problema de saúde pública ao redor do mundo.

Uma vez que o suicídio está relacionado a múltiplos fatores, é difícil apontar um único motivo para o aumento das taxas de suicídio entre os jovens. De acordo com estudos, os adolescentes diferem dos adultos quanto à força dos impulsos para aliviar o sofrimento. A impulsividade e a confusão emocional dos adolescentes são conhecidas por todos os que já passaram por essa fase, caracterizada por sensações novas e intensas. Nesse sentido, o adolescente tem mais chances de ter uma tentativa por impulsividade do que o adulto. Isso não quer dizer de forma alguma que o sofrimento do adolescente seja “menor” por ele ter tomado a decisão de tentar se matar impulsivamente, e sim que a tolerância e os recursos dele são diferentes.

Isso também não descarta a possibilidade de o adolescente planejar e executar o suicídio. É importante deixar claro que raramente um único evento leva a uma tentativa de suicídio (como acontece nos casos de adolescentes que têm fotos íntimas vazadas na internet, por exemplo). O mais comum é que diversos fatores levem a esse desfecho. É essencial entender que o suicídio não corresponde ao desejo de morrer, e sim ao desejo de eliminar o sofrimento quando nenhuma outra solução parece possível.

É importante também enfatizar que a invalidação do sofrimento agrava esse quadro, principalmente quando estamos falando de jovens. É comum que pais, mesmo os mais amorosos e atentos, subestimem a carga emocional que os filhos carregam. Pessoas menos próximas tendem a deslegitimar ainda mais o sofrimento alheio. Se o adolescente não sente que sua dor é legítima, ele se sente muito sozinho e desesperado.

“Se o adolescente não sente que sua dor é legítima, ele se sente muito sozinho e desesperado” – Victoria Gomes Cirino, psicóloga

O suicídio está sempre atrelado a quadros como ansiedade, depressão e outros transtornos?

Ansiedade, depressão e qualquer outro transtorno psiquiátrico são, assim como o suicídio, relacionados a inúmeros fatores. Nem sempre o suicídio é necessariamente atrelado a um quadro clínico específico. No entanto, se o adolescente já possui um histórico psiquiátrico passado ou atual, é necessário redobrar a atenção, pois isso indica que o indivíduo vai lidar com o sofrimento de uma forma diferente do que faria em outra situação. Histórico de suicídio na família também está correlacionado com uma vulnerabilidade. Além disso, se o adolescente apresenta comportamentos de risco ligados à impulsividade (abuso de álcool e outras drogas, compulsão alimentar, comportamentos auto-lesivos, agressividade excessiva), também é importante aumentar a atenção. Mas talvez mais importante do que tudo isso seja analisar as razões para viver do jovem. Uma vida empobrecida, não apenas no sentido financeiro, mas também afetivo, cultural e social, pode ser tão danosa para o indivíduo em termos de vulnerabilidade para suicídio quanto uma vida atravessada pela violência.

“A verdade é que não falar sobre suicídio faz com que os adolescentes aprendam que não podem falar com adultos sobre isso e, então, busquem informações em fontes inseguras, como fóruns de internet”. – Victoria Gomes Cirino, psicóloga

Como família e escola podem intervir positivamente para prevenir o suicídio do adolescente? E o que é papel do psicólogo(a)?

Há alguns comportamentos aos quais a família e a escola podem estar atentas. O primeiro e mais importante é a manifestação de desejo de morrer ou de sumir. Nem todas as pessoas que têm ideação suicida chegam a de fato executar um plano, mas esse é um sinal de que a pessoa precisa de ajuda profissional especializada. Verbalizações de desesperança e sensação de ser um fardo para os outros são também sinais de que algo não está bem. O jovem pode também se retirar de grupos de amigos sem explicação, perder o interesse por atividades antes prazerosas, ter mudanças no desempenho escolar, no humor e nos hábitos (principalmente de sono e de alimentação). É importante consultar profissionais de saúde de confiança e conversar com a escola para averiguar se esses comportamentos também acontecem lá. Na dúvida, um bom pediatra ou clínico geral será capaz de encaminhar o caso para ajuda especializada.

Caso alguma mudança de comportamento chame a atenção da família, o primeiro passo é adotar uma postura tranquila e acolhedora, de modo que o adolescente se sinta confortável para falar a respeito de suas dificuldades. Alguns jovens ficam angustiados ao verem que suas inseguranças despertam a ansiedade dos pais, então é importante mostrar preocupação sem sobrecarregar ainda mais o indivíduo. Uma boa medida preventiva é investir em conversas honestas com os filhos desde antes da adolescência, demonstrando interesse na vida das crianças e buscando participar ativamente delas. É essencial mostrar desde cedo que a família é um porto seguro que vai acolher e compreender as necessidades e os desejos do indivíduo em formação, e não reprimir, punir ou julgar. Se o canal de comunicação for estabelecido ao longo da vida da pessoa, ele estará lá para ser utilizado em momentos de crise.

Um grande problema em relação ao suicídio é o tabu. Muitas pessoas acreditam (erroneamente) que falar sobre o assunto pode inculcar a ideia nas mentes jovens ou mesmo incentivar. A verdade é que não falar sobre suicídio faz com que os adolescentes aprendam que não podem falar com adultos sobre isso e, então, busquem informações em fontes inseguras, como fóruns de internet. Isso causa o efeito contrário daquele desejado por quem se recusa a falar sobre o assunto. É dever da família e da escola falarem sobre os temas mais delicados e dolorosos de maneira responsável e esclarecedora. Além disso, esse é um dever do Estado, que deve produzir campanhas voltadas para esse público específico e tomar medidas preventivas por meio de seus equipamentos de saúde pública.

No entanto, é importante ressaltar que não é responsabilidade da família nem da escola planejar intervenções e tratamentos uma vez que o problema for localizado. O manejo adequado de comportamentos de ideação e tentativa de suicídio só pode ser feito por um profissional qualificado, porém é dever da família e da escola estarem atentos para que o adolescente chegue a essa ajuda especializada.

Não é vergonha alguma pedir ajuda para poder ter recursos para ajudar a filha

Qual o tipo de apoio necessário? Quem, no círculo social, pode ou deve saber que o adolescente está pensando em suicídio?

O adolescente que passa por esse tipo de situação precisa ser avaliado por um profissional especializado e encaminhado para acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Não há uma regra sobre quem deve saber, geralmente compartilhar esse tipo de informação é uma decisão tomada pelo próprio indivíduo. A única regra talvez seja a de que indivíduos em risco iminente de suicídio não podem ter acesso a meios letais sem que as pessoas ao redor saibam. No caso dos adolescentes, os pais devem informar a escola caso acreditem que a informação seja importante para as decisões pedagógicas (por exemplo: alunos com TDAH costumam ter direito a mais tempo para resolverem as questões de uma prova) e caso haja relação entre o quadro e algum evento que acontece no ambiente escolar (por exemplo: bullying). Infelizmente, ainda há muito estigma social ao redor de qualquer quadro psiquiátrico. Nesse sentido, é importante escolher de maneira cuidadosa a quem será feita essa revelação, pois ela pode ser usada como motivo de discriminação ou chacota. Na dúvida, os pais e o adolescente podem conversar conjuntamente com os profissionais responsáveis pelo tratamento para tomarem essa decisão da maneira mais adequada.

Qual o principal recado para os pais ou responsáveis por meninas que apresentam algum transtorno psiquiátrico ou estão pensando em suicídio?

O recado para os pais é que não subestimem o sofrimento das meninas. É fácil para quem já passou por isso subestimar o quanto dói a primeira frustração amorosa ou a angústia sobre o futuro profissional. É importante mostrar que elas não estão sozinhas e que podem contar com o apoio dos pais para enfrentarem os problemas.

Via de regra, homens cometem mais suicídio do que mulheres e de maneiras mais letais (mulheres têm mais tentativas, mas nem todas levam a óbito). Apesar disso, meninas também estão vulneráveis.

Os meninos muitas vezes sofrem por serem ensinados que não podem demonstrar fraqueza ou emoções intensas, mas as meninas também aprendem que têm que colocar a necessidade dos outros na frente de si.

É natural que os pais fiquem confusos, se sintam culpados e também precisem de apoio psicológico nesse processo. Não é vergonha alguma pedir ajuda para poder ter recursos para ajudar a filha.

É assustador pensar que mesmo tomando todas essas medidas ainda existe a chance de um suicídio acontecer, mas muitos podem ser evitados com mudanças em atitudes e na mentalidade.

Saiba mais sobre o tema, leia:

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