Levante a mão aquele que nunca se preocupou com o que as meninas fazem e veem na internet. Sabendo das possibilidades e dos riscos das redes, nos preocupamos em proteger nossas meninas também nessa esfera, cujo uso é natural para uma geração que já nasceu imersa no digital.
A preocupação procede, porque não são mesmos poucos os casos de violações das mais diversas ordens que acontecem online. Mas é necessário pensar em como o assunto está sendo abordado com crianças e adolescentes, porque a busca por segurança não pode impedir o desenvolvimento dos jovens e nem criar uma relação de desconfiança com os adultos.
Nesse processo, as meninas sofrem mais do que os meninos na internet. Se você pensou que é porque elas têm cobranças em relação ao corpo e à imagem, sendo atingidas desde cedo por conta de um padrão estético, sem contar o cuidado a ser tomado com relação ao abuso sexual e à pedofilia, você acertou. Mas há um outro elemento na jogada: o cuidado excessivo dos pais. Sim, o ímpeto de proteção às meninas pode acabar prejudicando o desenvolvimento de suas potencialidades e reforçar estereótipos de gênero.
A pesquisa TIC Kids Online Brasil de 2016 entrevistou jovens de 9 a 17 anos do Brasil inteiro e apontou que os pais monitoram mais elas do que eles na internet. Ao mesmo tempo, os meninos têm mais liberdade para aprender coisas sozinhos. Confira os dados da pesquisa:
Os pais sentam junto enquanto usa a Internet, falando ou participando do que está fazendo
Meninas: 54% | Meninos: 48%
Os pais ficam por perto enquanto você usa a internet, mas sem olhar o que está fazendo
Meninas: 66% | Meninos: 61%
Os pais incentivam a aprender coisas na internet sozinho(a)
Meninas: 47% | Meninos: 54%
Os pais sentam junto enquanto usa a Internet, mas sem participar do que está fazendo
Meninas: 66% | Meninos: 57%
Os pais olham o celular para ver o que está fazendo ou com quem está falando
Meninas: 59% | Meninos: 50%
Os pais explicam que alguns sites são bons e outros são ruins
Meninas: 84% | Meninos: 78%
Os pais ensinam jeitos de usar a Internet com segurança
Meninas: 78% | Meninos: 74%
Os pais ensinam como se comportar na Internet com outras pessoas
Meninas: 85% | Meninos: 76%
Os pais explicam o que fazer se alguma coisa na Internet o(a) incomodar ou chatear
Meninas: 77% | Meninos: 67%
Os pais conversam sobre o que faz na Internet
Meninas: 75% | Meninos: 66%
Isso não quer dizer que não se deve conversar com as meninas, apenas que é necessário estar atento para não impedir que elas alcem voos. O diálogo é fundamental para qualificar o uso das garotas nas redes e permite que você realmente entenda quais as preocupações e os problemas do universo delas. “Os pais em geral têm um imaginário muito forte sobre o risco de pedófilos na rede e focam sua atenção nesse tipo de proteção, mas o que as crianças mais reclamam é a violência praticada por um conhecido: o cyberbullying, a discriminação”, conta Juliana Cunha, psicóloga e coordenadora do Canal de ajuda da SaferNet, organização que atua promovendo os direitos humanos na internet. Segundo ela, não é que esse perigo “clássico” não exista, mas os jovens são mais alertados para isso, estando cientes da situação. “Mas não sabem o que fazer quando um amigo é autor de violência”, completa ela.
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Nesse contexto, não apenas os pais, mas todos os outros atores devem se envolver no combate ao problema. Se o agressor é um colega de escola, por exemplo, a instituição deve intervir e ser mediadora do diálogo, assim como o faria se o caso acontecesse fora das redes. “Geralmente o cyberbullying é acompanhado do bullying. Um é extensão do outro”, explica Juliana. Algumas propostas são a realização de Conselhos para discutir violência online ou fomentar rodas de conversa que permitam que esses assuntos venham à tona.
Não dá para viver numa redoma digital
Resolver o conflito é muito importante, mas mais ainda é impedir que a violência contra as meninas chegue a acontecer. E isso só acontece com o diálogo. A psicóloga lembra que os pais são os primeiros agentes de socialização das crianças, sendo os responsáveis por ensinar o que é certo e errado – regras que são iguais dentro e fora da internet. E isso é algo que nenhum conhecimento técnico substitui.
“Embora os mais jovens tenham mais habilidades técnicas e velocidade de adaptação às tecnologias, eles ainda não têm desenvolvido o senso crítico que é tão necessário. Aos pais cabe mostrar como interpretar o ambiente em que estão (no caso, o digital), identificar quando uma pessoa desconhecida faz contato e como responder. Isso é mais importante do que a habilidade técnica e do que tentar fazer com que os filhos estejam afastados dos riscos, porque é muito difícil colocá-los numa redoma”, resume Juliana Cunha. “Mesmo se há dificuldade de usar tecnologia, uma conversa pode ser suficiente para que a criança desenvolva consciência crítica. Assim, não é porque ela está exposta ao risco que vai sofrer algum dano”.
É claro que idades diferentes exigem cuidados diferentes. Quanto mais nova a menina, maior o controle parental, enquanto espera-se que as adolescentes tenham mais autonomia. Mas a psicóloga Juliana Cunha garante que em qualquer um dos casos, a negociação e o consentimento são muito importantes. Isto é, todos têm de estar de acordo com os limites estabelecidos ao invés de simplesmente impor regras.
“Se a família deseja ter a senha da adolescente para acessar uma rede social, é preciso deixar claro o porquê e se ela concorda. A negociação deve ser mais de igual para igual. Já com as pequenas, embora não sejam autônomas, o acordo também tem de ficar claro: se é para ter rede social, eu vou ter a senha porque sou responsável por você”, explica Juliana. A negociação referente à vida digital nada mais é do que um braço da relação de confiança estabelecida entre vocês.
Informe-se
Cuidados com o sigilo de dados e informações e informações e outras dicas de privacidade podem ser encontrados na Cartilha de Segurança da Internet, que tem manuais específicos para usos de aplicativos, golpes, senhas e demais assuntos. O site disponibiliza também cartilhas de uso seguro da internet para os pais, separados entre crianças e adolescentes (acesse aqui).
A Safernet tem parceria com o Ministério Público Federal e aceita denúncias de qualquer tipo de violência e ataque aos direitos humanos no meio digital, como discriminação, racismo, injúria racial e envio não consentido de material íntimo. Há ainda dois canais específicos para os adolescentes na internet:
- Se sua menina está sendo vítima ou propagando qualquer violência na internet, o Canal de Ajuda oferece suporte gratuito a ela e à família.
- O SaferLab tem um guia com dicas propositivas de como construir uma internet mais segura e tolerante, sem espaço para a violência ou discriminação.