O que aprendi vivendo em terras indianas
Por Mariane Silverio
“Os antropólogos acreditam que devemos mergulhar no desconhecido a fim de conhecer nosso próprio mundo”
Essa é a frase dita pela personagem Annie no filme O Diário de uma Babá, eu tinha pouco mais de 12 anos quando ouvi e até hoje martela na minha cabeça: ter a oportunidade de propor desafios para se conhecer cada vez mais.
Meu nome é Mariane Silverio, tenho 19 anos, atualmente estudo Relações Internacionais. Agora, resido na cidade de Curitiba, mas sou do interior do Paraná, da cidade de Toledo e hoje vim contar sobre uma das maiores mudanças de “atmosfera” já vivenciadas por mim.
Onde tudo começou
Desde que me entendo por gente sempre existiu algo dentro de mim que motivava a querer a ir além do que minha realidade permitia. A ideia de intercâmbio era tão surreal de acontecer que até hoje me pergunto se tudo não passou de um sonho. Em 2017, ao ter participado do Parlamento Jovem Brasileiro (PJB), tendo contato com jovens incríveis e inspiradores, senti que as coisas eram possíveis e que minhas visões de mundo não estavam tão malucas.
Durante o ensino médio começou a minha trajetória no Interact Club – uma das ramificações de clubes de Rotary – onde tive contato com o Rotary Youth Exchange Program, o programa de intercâmbio do Rotary. É um programa mais barato em comparação a agências de intercâmbio e, dependendo do distrito, há a oferta de bolsas. Assim, retornei do PJB cheia de vontades. Infelizmente, nem tudo é como imaginamos: fui declinada no processo seletivo de um programa de embaixadores que queria muito. Mas, a partir desse resultado negativo, um sonho se iniciou: no colégio que estudava, era comum receber intercambistas e os diretores de lá, sabendo do meu interesse, me indicaram para a responsável dos intercambistas.
O caminho árduo, mas gratificante
Meu pai é motorista de ônibus e minha mãe é vendedora de roupas. No caminho deste sonho foram gastas muitas horas de estágio, muito sacrifício dos meus pais e muita compaixão do Club Rotary que até realizou jantares para arrecadar fundos. Como forma de reconhecimento por todo esse esforço coletivo, aconteceu! Realizei a prova – pela minha idade tinha como opção Índia, México e Taiwan –, a intuição bateu mais forte e não errou.
No dia 27 de julho de 2018 embarquei para as terras indianas, na cidade Bharuch, no estado do Gujarati.
Índia sempre foi uma opção para mim, além de aprender inglês, um pouco de hindi e gujarat e até pasmem, espanhol, realizei o sonho de ver a neve, de ir a um deserto e apreciar (talvez nem tanto) um verão de mais de 40 °C.
Visitei os mais variados tipos de templos, de diversas religiões, descobri que todos os meses acontece um festival, e isso me fez dançar músicas de roda durante 9 noites no Navratri e pular até não poder mais no Festival Holi. Me passei por indiana em seus kurtas, chanyia cholis e sarees e questionei como usam roupas tão cumpridas naquele calor. Dancei garba, kathak, coreografias de bollywood e até hip hop. Conheci elefantes, macacos, camelos, búfalos, tive contato com cavalos, vacas (muitas vacas), bezerros, porcos e tantos outros animais. Passei a comer com a mão. Aprendi a andar de rickshaw sozinha, explorei as ruas de Délhi sendo carregada em uma bicicleta, me aventurei pelas ruas de moto sem usar capacete e aprendi que para atravessar a rua no trânsito maluco eu só preciso levantar a mão.
Fui a casamentos hindus e muçulmanos. Aprendi sobre limites, respeitos e tradições. A fé que move povos, nem sempre é pela cega visão sobre mitos, mas sim pela essência da palavra, sobre o olhar e as ações bondosas.
Explorei as artes indianas através do mehendi, aprendi as técnicas de warli, gond, arte kalamkari e até bordados.
Eu plantei árvores, participei de uma palestra para meninas sobre empoderamento, fiquei responsável pelas redes sociais do segundo clube de Interact criado no mundo, trabalhei em um hospital voluntário, fiz uma caminhada histórica pela minha cidade, participei de uma simulação das Nações Unidas representando o Brasil discutindo sobre armas nucleares, fiz visitas a lares de idosos, trabalhei em um acampamento de check-up dental para crianças carentes, fui a um safari, fui ao Himalaia e joguei bolas de neve nos meus amigos, conheci Dalai Lama, conheci o Taj Mahal, andei de camelo no deserto além de acampar no deserto, andei de trem pela primeira vez – e também fiquei mais de 24 horas dentro de um –, conheci o famoso portão da Índia por onde os portugueses chegaram e visitei cidades portuguesas. Tive uma festa surpresa de 18 anos por pessoas mais do que especiais, aprendi a cantar o hino indiano, comecei a fazer yoga, tive meu ano novo em novembro e o real ano novo tendo uma noite do pijama com amigas de várias nações, dei aula em uma escola voluntária em uma praça da cidade, visitei uma escola para crianças especiais e fiz amigos incríveis (e que gostam de chocolate tanto quanto eu). Eu tive o Natal mais diferente que eu poderia ter, visitei a maior estátua do mundo e vi a vista que ela proporciona… e eu poderia falar muito mais, porque todos os dias durante 1 ano experimentei uma coisa nova.
Mudanças que vêm para o bem
Não sou a mesma garota do início, e sou grata por todas as mudanças positivas que estes meses me proporcionaram. Sou grata principalmente ao Rotary pelo acolhimento e realizações. Eu sou grata por todas as memórias entrelaçadas com lembranças de amigos de diversas nações, esse é o melhor presente que eu poderia pedir.
Meu conselho para você, leitor ou leitora, que tem sonhos grandes – mas que às vezes a realidade não permite – é continuar perseverando e buscando. As coisas nem sempre seguem o fluxo que imaginamos, mas a intuição que estamos seguindo no caminho certo nos leva para momentos significativos, que serão certeiros.