Por Rodrigo Focaccio
Não são poucas as comprovações científicas de que o ser humano começa a aprender já durante a gravidez, dentro da barriga da mãe. Antigamente, acreditava-se que o feto iniciava seu aprendizado a partir dos seis meses de gestação. Hoje, com a evolução dos aparelhos de ultrassom, já foi possível descobrir que uma criança no útero reage a estímulos hormonais desde o segundo mês.
Portanto, não há dúvidas de que começamos a aprender cedo. Só que desde o início da gravidez de minha esposa, passei a me tocar que, embora nossa capacidade de aprender seja imensa e precoce, parece que crescemos sem saber priorizar aquilo que devemos ensinar às crianças.
A gravidez para mim significou meses e meses nos quais todo dia alguma coisa nova parecia surgir de um ser até então completamente desconhecido e que se chama gestante. Durante toda minha educação infantil, o máximo que haviam me ensinado sobre uma mulher grávida foi um pouco além do mito da cegonha e aquelas coisas que um menino aprende em revistas não muito educativas.
Adulto descobri que havia mudanças de hormônios gigantescas. Mas ignorava quais eram os mais básicos de seus efeitos e, pior, não tinha a mínima ideia de como agir ou não agir (às vezes a decisão mais correta do ponto de vista de sobrevivência do casal). Sobre parto, desconhecia quase tudo. Ignorava os benefícios do parto normal e da amamentação. Por isso, achei melhor frequentar as aulas do Doutor Alberto para entender e ajudar um pouco como podia. Também me era novidade que, sim, há coisas que o homem pode fazer para a boa evolução de uma gravidez.
Do início ao fim da gestação, sentia que era primário no assunto. Mas o pior viria depois, quando me apareceu a palavra “puerpério”, que nem em clássicos da literatura lembrava de ter sido apresentado. Tempos depois, minha esposa também me revelaria que ela não tinha a menor ideia do que isso significava. Nem em teoria e, muito menos, na prática. Se você também não sabe, não se culpe. Acho que esse é um problema estrutural de nossa educação (em tempo: puerpério é o período pós-parto, em que a mulher experimenta as mudanças físicas e psíquicas mais radicais da sua vida).
No começo também tive a tentação de me culpar por ter passado tanto tempo sem dar a menor bola para temas que iriam modificar minha vida para sempre. O que é mais preocupante é perceber que vivemos uma cultura que valoriza muito pouco o aprendizado e a preparação para uma das fases mais difíceis da vida e também das mais importantes. Afinal, o que pode ser mais fundamental do que cuidarmos bem das próximas gerações?
É claro que muitos ensinamentos são impossíveis de antecipar e só poderão ser aprendidos na prática. Nossos filhos sempre serão capazes de apresentar novidades diariamente. Demorei mais de trinta anos para saber que poderia assistir a um jogo de futebol decisivo sem emitir o menor ruído (para não acordar minha filha, é claro), só para citar um exemplo banal. Mas não tenho dúvidas de que outras dúvidas e encruzilhadas que enfrentei poderiam ser minimizadas com uma educação mais abrangente na infância e na adolescência.
Recentemente, temos visto discussões sobre reformas do currículo escolar. A grande maioria inútil. Alguns gritam sobre o que chamam de “doutrinação”, um discurso vazio e que, nas sombras, é uma forma de evitar questionamentos históricos e culturais e, pior, de aprender a lidar com visões e opiniões de mundo diferentes. Há, ainda, quem se ressinta da falta das aulas de Moral e Cívica, uma herança da Ditadura Militar que pouco acrescenta à cidadania ou à formação de seres humanos melhores e mais produtivos para o país. Tudo fumaça. Um dos candidatos à presidência que lideram as pesquisas de opinião já cometeu a atrocidade de falar que “fraquejou” porque gerou uma filha. Um absurdo tão grande que faltam palavras para nomear.
O ensino público ou particular, em praticamente todos as faixas etárias, parece ter se voltado demais para formar bons profissionais e feras de vestibular, negligenciando que precisamos também de pessoas preparadas para a vida em um sentido mais amplo. Tenho a sensação de que a sociedade esquece que a vida profissional depende muito de como enfrentamos nossos dilemas pessoais e nossas emoções.
Enquanto alguns privilegiados que podem pagar escola particular se ocupam em preparar nenês para serem profissionais bem sucedidos em escolas bilíngues, o mercado de trabalho no Brasil ainda tem dificuldades em aceitar mães. Segundo o estudo “Licença maternidade e suas consequências no mercado de trabalho do Brasil”, realizado pela Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV EPGE), metade das mulheres são afastadas do mercado de trabalho depois da licença maternidade. Um verdadeiro atentado às próximas gerações e à igualdade de oportunidades.
Não parece pequeno o contingente de empresários que vê na licença maternidade um obstáculo para seus lucros e não uma garantia mais do que justa e necessária para nossa própria perpetuação da espécie. Países ricos e extremamente produtivos como a Alemanha oferecem não só proteção para novas mamães como uma extensa licença paternidade (isso mesmo, para os pais) de um ano. No Brasil ela é de irrisórios cinco dias corridos. Descaso total.
Enquanto as mulheres são oprimidas por serem as únicas capazes de gerar uma nova vida, homens ignoram e são ensinados a ignorar desde a infância o que se passa com a mulher durante a maternidade e até mesmo o que acontece com eles mesmos quando se tornam pais. Passamos anos estudando senos, matrizes, mol, mas não conseguimos entender como funciona o corpo da mulher durante a gravidez?
É verdade que mais recentemente podemos comemorar a existência de projetos educacionais que preparam jovens para serem melhores e mais conscientes pais e mães. Essas iniciativas tendem a ser uma semente para incentivar uma discussão mais profunda e pertinente sobre como escolas e pais podem ensinar seus filhos sobre questões tão essenciais. É um começo. Mas ainda estamos longe do dia em que novos pais e mães não se deparem com a mesma pergunta que ecoou tantas vezes na minha cabeça: por que não aprendemos isso antes?